A DOMESTICAÇÃO DAS ASAS
quando a chuva tocar a terra
as aves saberão despertar da agonia estival
os temperos rupestres hão-de exalar
os odores recomendados
pelos sete sábios da Grécia Antiga
aguardemos que as figueiras excêntricas,
antes do vicejar dos frutos apetecíveis,
descerrem por fim as alvas flores de lírio
e que nos seus ramos engatilhados
sejam proibidas aquelas cordas submissas
onde se penduram homens de pele baça
no temor de um futuro
açulado por cães proscritos e lazarentos
com o chão bêbado pela água baptismal
tu irás recuperar as asas sedentárias
para te aconchegarem
- é certo que contrariada-
na tepidez monótona do meu regaço,
o teu peito libertando um desditoso queixume
depois, ao fazermos um amor sereno
proibidas todas as pressas
vasculhamos as pregas recônditas dos nossos corpos
beijamo-nos nas salivas das bocas acossadas
e
de olhos cheios recusaremos os vendavais inúteis
hei-de ler-te então um parágrafo
daquela perpétua, serena e leal afeição
tal como a quero e conjecturo
(estou a pensar em Corin Tellado, porque não?)
é certo que tu, meu bem-amar,
desejavas tão-somente
consumir-te nos versos desinquietos
da Natália insubmissa,
esses versos onde o amor fiel e perpétuo
por demasiado tacanho
não cabe
in Poesia dos Objectos Inúteis (2014 - Novembro)
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
Enquanto navegávamos
Enquanto Navegávamos
Só que os encenadores (Ricardo Simões e
Guillermo Tello) jogaram com todos os trunfos que tinham à sua disposição,
dando, estrategicamente, um brilho maior à arquitectura do espectáculo no seu
todo e não tanto às debitações dos actores. E esse trunfos passaram por 1) uma
forte utilização dos adereços saídos da teia, (dois dos momentos mais belos
resultaram daqui) 2) uma marcação de palco que explorava e bem as profundas de
todo o espaço cénico - fazendo lembrar a imensidão dos estaleiros e até da
própria “Coreia” (interessante expressão
do calão operário referindo-se à distante guerra da Coreia), 3) a música de
cantores que todos conhecemos e que fazem parte da nossa memória, 4) uma
excelente arquitectura de luzes, delimitando espaços, momentos, emoções. A
surpreendente cena final, a melhor de todas, resulta daqui, com o grupo
simbolicamente a “afundar-se” até ao sub-palco 5) utilização do proscénio e
entrada dos actores pela assistência 6) sequências de pura expressão corporal. 7) A marcha insistente, repetida e longa (outro momento muito belo) para marcar o 25 de Abril, fugindo à estafadíssima Grândola que neste momento serve para tudo. 8) E nessa cena final evitando uma sequência panflaeária de punho no ar e mais Grândola.
Só faltou na esteira do melhor teatro sul-americano uma canção final, quando os actores surgem para receber o prémio sem preço: os aplausos acalorados do público, com repetidas chamadas ao palco.
Gostei
de tudo? Não. Houve momentos de uma certa monotonia, a dicção destes operários
duros nem sempre foi a melhor, embora tenham partido muito pedra (é certo que já vi disto em alguns profissionais,
portanto…). O quadro arrastado dos “adeuses” aos barcos saindo doca foi longo
e monótono. Além de ver uns operários com a cara escanhoada e lisa como mármore.
Mas é um espectáculo digno e portentoso, que preenche a alma de quem gosta de teatro com momentos muito bons de pura beleza e alguma inquietação.
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